Órtese no tratamento conservador da síndrome do túnel do carpo: tradição ou evidência?
Quando pensamos em tratamento conservador para síndrome do túnel do carpo (STC), a primeira coisa que nos vem à cabeça é a confecção de uma órtese de posicionamento para punho, com apoio volar. Há evidência, porém, que este dispositivo seja eficaz para o tratamento?
A resposta não é tão simples assim.
Se fizermos uma busca superficial na base de dados PubMed, com os descritores carpal tunnel syndrome AND splint, nos últimos 5 anos (2018-2022) vamos encontrar apenas 3 artigos que podem nos auxiliar a responder esta pergunta.
Um dos artigos, Chesterton 2018, que envolveu 234 pacientes, comparou o uso noturno da órtese durante 6 semanas, com uma única injeção de 20mg de corticoesteróide. O resultado intergrupos foi uma melhora significativa na escala BCTQ (Boston Carpal Tunnel Questionnaire), intensidade da dor, e insônia relacionado ao quadro de STC.
Afirmar, contudo, que o corticoesteróide é melhor que a órtese não quer dizer que a órtese não seja eficaz, porém... o autor não fez uma análise intragrupo para que obtivéssemos esta resposta.
Já um segundo artigo de 2018 (Arkturk 2018), realizou esta análise inter-grupo e intra-grupo. Ele comparou os efeitos de Knesio Taping (KT) com o uso da órtese também durante 6 semanas de tratamento. Sua amostra, porém, foi bem menor, contando com apenas 44 pacientes. De acordo com o estudo, o KT apresentou uma melhora significativa em todos os desfechos analisados (testes provocativos; perda sensorial, BCTQ), ao passo que a órtese apenas apresentou melhora entre pós e pré na subscala de funcionalidade do BCT. Na comparação entre ambos os grupos, o KT se mostrou superioridade significante em relação à órtese em todas os desfechos, exceto na perda sensorial.
Por fim, o último estudo, de 2020 (Sosic 2020), não se trata de um estudo controlado, mas de uma comparação do uso da órtese entre 45 pacientes com comprometimento de fibra sensoriais e com comprometimento de fibras sensoriais e motoras. Como não houve diferença significativa entre os grupos em nenhum dos desfechos (BCTSQ; Phalen; Tinel; dor e força de preensão palmar), é possível analisar o pré e o pós em um único pool. Nesta análise, foi encontrada melhora significativa em todos os desfechos, exceto na dor e na força de preensão que, do ponto de vista funcional, podem ser considerados os desfechos mais relevantes.
Porém, fazer uma revisão quantitativa destes artigos não basta. É necessário considerar alguns outros aspectos qualitativos e limitações. Começaremos pelo tamanho das amostras de Arktuk 2018 e Sosic 2020, que são amostras relativamente pequenas, e sem clareza em relação ao cálculo amostral, por parte de Arturk 2018. O mesmo autor deixou de apresentar o flow com o recrutamento dos pacientes, de modo que não fica claro se houve perna na amostra, e se foi realizada a análise por intensão de tratamento.
Quanto ao cegamento dos estudos, devido à própria natureza da intervenção, não poderiam ser duplo cegos, porém, Chesterton 2018 não deixa claro por que os avaliadores não poderiam ser cegos. Ao mesmo tempo Sosic 2020 não realiza um ensaio clínico controlado, o que seria fundamental para a confiabilidade do estudo.
Como último ponto a ser citado, devemos recordar os 22 desvios de protocolo de Chesterton 2020.
Por todos estes motivos é difícil responder: a órtese no tratamento conservador da STC é uma tradição ou uma evidência.
Com os artigos apresentados, não é possível responder.
Uma aparente falta de evidência científica, contudo, não quer dizer que a órtese não deva ser utilizada! Quer dizer apenas que não há, atualmente, produção da literatura que sustente a sua prescrição (“A ausência de prova não é prova de ausência!”).
E aí? Isso não te motiva a produzir um ensaio clínico de boa qualidade e contribuir para que a nossa prática seja cada vez mais baseada em evidência?
Ah, e se achar um artigo legal sobre o assunto, compartilha com a gente!
Suzana
Referências
Aktürk S, Büyükavcı R, Aslan Ö, Ersoy Y. Comparison of splinting and Kinesio taping in the treatment of carpal tunnel syndrome: a prospective randomized study. Clin Rheumatol. 2018 Sep;37(9):2465-2469.
Chesterton LS, Blagojevic-Bucknall M, Burton C, Dziedzic KS, Davenport G, Jowett SM, Myers HL, Oppong R, Rathod-Mistry T, van der Windt DA, Hay EM, Roddy E. The clinical and cost-effectiveness of corticosteroid injection versus night splints for carpal tunnel syndrome (INSTINCTS trial): an open-label, parallel group, randomised controlled trial. Lancet. 2018 Oct 20;392(10156):1423-1433.
Šošić L, Bojnec V, Lonzarić D, Jesenšek Papež B. An advanced stage of carpal tunnel syndrome - is night-time splinting still effective? Int J Occup Med Environ Health. 2020 Oct 20;33(6):771-780.